POEMAS SOCIAIS --- II

                                  

                             CRÔNICA SOBRE O DESERTO DIÁRIO

 

 

 

 

Eclodem

--- em cada esquina de periferia

E ao anoitecer do dia ---

 

 

Toques de recolher

Que põem hiatos

No cotidiano querer

De almas humildes: renitentes ermidas!

 

 

Na plenitude do sol a pino,

Cilindros de fogo

Que esgarçam o horizonte

 

 

--- ao serem deflagrados ---

Operam uma metamorfose:

Transformam os arco-íris de vida

Em miríades da execrável necrópole!

 

 

Orgias de alucinógenos cooptam,

Com o seu orvalho,

Sentinelas e abocanham,

Usando suas peçonhentas mandíbulas,

Numerosas presas:

As engrenagens da violência

Cobrem de ouro e fragrâncias de opulência

A realeza da mais valia facínora, horrenda vivenda!

 

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA

 

 

 

 

               COMEDORES DE SOBRAS

 

 

 

No penúltimo halo da antemanhã,

Pessoas saem de seu humilde viveiro

Para buscar o combustível do corpo

Em um quase longínquo desterro.

 

 

E, ao chegar a seu destino,

            A feira,

Esperam pacientemente

O ocaso da efervescência

Da harmonia desarmônica

Dos sóis de quem vende e de quem compra.

 

 

 

Então, quando advém a hora ansiada,

Afluem sôfregas ao encontro do tapete

De frutas, legumes e verduras

        Que cobre o chão

Onde, sob os afagos rudes do dia-a-dia,

Rodas, sapatos, pés desnudos ou de sandálias

Apressada e inescrupulosamente pisam.

 

 

Ah, e como a fome delas

               É canina e ao mesmo tempo conformista:

Um ancião desempregado

Amaina o vácuo em sua barriga

Com uma suculenta manga dormida.

Ah, quando alguém se depara

Com a horrenda fronte da fome

  ------ Sentada no trono de sua opulência ferina ------

Deslinda que o nojo é luxo;

Não uma alameda a ser seguida.

 

 

 

Algumas, ao regressar a seu ninho,

Comutam refugo em lucro:

O que na feira era lixo;

Na carente vila de casebres

É auspicioso fruto rentável, celeste, divino.

 

 

 

 

No entanto, para a hoste de grisalhas

Barbas engravatadas e garbosas,

Este paraíso da lídima e visceral miséria

É nada mais que um moribundo resquício

De seu passado sem rosas e azaleias.

 

 

Não, mas estas pessoas:

Estas pessoas sabem

Que a miséria cintila até o ponto

Em que assoma a dor nas vistas;

Que ela é viva, concreta, fenece, fere,

Queima e alucina.

E ela o faz de inúmeras maneiras:

Maneiras que a mais poderosa verve

Nunca sequer imagina.

 

 

Sim, todavia alheias aos mais atrozes sofismas,

Elas prosseguem crentes na vida:

Sempre a segurar a ponta do rabo

Daquilo que crêem ser a esperança,

Apesar do crepúsculo, das mazelas,

Das chagas em abundância,

Da dor, da amargura e da desabonança!

Enfim,  elas prosseguem,

Mesmo com o mar infinito de desamor,

De inclemência, da ausência de ternura

E do culto da sentimental distância.  

Sim, estas belas pessoas continuam a hastear,

Embora não saibam,

O estandarte do vislumbre de uma vindoura era magnânima.

  

  JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA

 

 

 

                               CRIANÇA-DESESPERANÇA

 

 

Sinais de trânsito

Consagram-se como a mansão do desespero:

Retina que projeta o pletórico curso

Dos oceanos desmesurados

Tal um caudaloso riacho

Áspero, egoísta, velhaco, avarento!

 

 

A nascente de um homem revoltado do amanhã

Aproxima-se dum carro,

Momentaneamente parado,

E pede uma esmola, um trocado

A um varão, quase ás portas da terceira idade,

O qual lhe responde negativamente

Como quem toma posse

Do semântico corpo duma troça,

Proferida por um palhaço insosso, idiota!

  

 

 

Ah, com efeito,

Quando regressar á sua moderna senzala,

Será recebido pelo lancinante e sádico abraço,

Dado pela frustrada materna senhora

Ou por seu irascível patriarca,

Forjados, quem sabe também,

Por um incessante ciclo

Da alijante navalha opressora da miséria:

Sempre a portar o vírus da avidez não contentada, a edace fera!

 

 

Ah, pobre menino medrado,

Que se tresmalha da vida.

Indivíduo púbere e opaco

Que não recebe o sol da honrosa alegria.

Jovem homem confinado num mundo

Onde o poder da voragem

É a sua única verdade e sina.

 

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA